A Cavalaria Medieval

Você já admirou a cortesia de um cavalheiro ou a nobreza de uma dama? já se emocionou com um romance pessoal ou ficcional? se dirige às pessoas como “senhor” e “senhora”? Se sim, então você é tributário da cavalaria medieval. De certos ângulos, a história da Humanidade parece pouco mais que a história da guerra. E entre nossos arquétipos de soldados de elite – dos míticos troianos aos seus herdeiros, os hoplitas espartanos e os centuriões romanos, passando por vikings, samurais, até os modernos g.i. joes – o mais poderoso e encantador é o cavaleiro cristão. À época de seu florescimento, o império carolíngio se despedaçava precipitando a Europa no “estado da natureza” de que falava Hobbes, a guerra de todos contra todos, e foi preciso criar um código de conduta para os combates entre irmãos na fé e no sangue. As cruzadas lhes deram uma unidade de propósito, e as Ordens de Cavalaria consagradas pelo papado os libertaram do emaranhado de lealdades feudais para revelar suas virtudes mais elevadas, mas também sua mais brutal ambição. O ideal do soldado asceta foi sacramentado pelos menestréis nas canções de gesta. Porém logo a lira dos trovadores provençais, ironicamente influenciada pelos árabes, celebraria um culto exótico, não originalmente latino, nem germânico e nem de todo cristão: o amor cortês. Mística e erotismo, proeza e prazer, generosidade e orgulho se entrelaçavam inextricavelmente no coração do cavaleiro dilacerado entre a devoção à sua dama e ao seu Deus, à Nossa Senhora e ao seu senhor – tema de mil baladas e novelas. Na Renascença, enquanto a pólvora relegava a espada à estratosfera simbólica, o “Cavaleiro da Triste Figura” de Cervantes desferiu a mais letal humilhação à honra da cavalaria. O código cavalheiresco sobreviveria ainda no ideário do Antigo Regime. Mas ante a decapitação de Maria Antonieta, Edmund Burke suspirou: “a era do cavalheirismo se foi; a dos sofistas, economistas e calculadores venceu”; porém assim como os renascentistas retornaram à Antiguidade, a geração seguinte retornaria à Idade Média, plasmando uma nova mitologia poética: o romantismo. Em pleno avanço da era burguesa, o medievalista Léon Gautier diria com um triunfalismo quase quixotesco: “Há uma escola . . . que pretende que o bem-estar é o único fim que uma humanidade ‘regenerada’ deve perseguir . . . Estes sofistas se enganam grosseiramente . . . É o cavalheirismo que salva as nações e que é o seu aroma. E a Cavalaria é o desdém por todos os pequenos confortos de uma vida amolecida e sem nervos; é o desprezo do sofrimento; é pôr em prática o antigo: Esto vir – seja homem!”

Convidados

Marcelo Cândido: professor de história medieval na Universidade de São Paulo e autor de A Realeza Cristã na Alta Idade Média. 

Lênia Márcia Mongelli: professora de literatura medieval na Universidade de São Paulo e autora de Palmerim de Inglaterra.

Néri de Barros Almeida: professora de história medieval da Universidade de Campinas e coordenadora do núcleo UniCamp do Laboratório de Estudos Medievais.

Fontes em O Grande Teatro do Mundo
Referências
  • A Cavalaria. Da Germânia antiga à França do Século XII (La Chevalerie) de Dominique Barthélemy.
  • A Alegoria do Amor (The Allegory of Love: a Study in Medieval Tradition) de C.S. Lewis.
  • “O mundo feudal: Cavalaria e Cultura de Corte” em A Criação do Ocidente (Religion and the Rise of Western Culture) Medieval Essays de Christopher Dawson.
  • As três ordens ou o Imaginário do Feudalismo (Les Trois Ordres) de Georges Duby.
  • A Cavalaria (Chevaliers et Chevalerie) de Jean Flori.
  • O Outono da Idade Média de J. Huizinga.
  • “Cavalaria” na Estética de G.W.F. Hegel.
  • La chevalerie de Léon Gautier.
  • The Knight and Chivalry de R. Barber.
  • Tournaments: Jousts, Chivalry and Pageants in the Middle Ages de R. Barber and J. Barker.
  • Chivalry as Community and Culture de Mark L. Honeywell
  • William Marshal: Knighthood, War and Chivalry, 1147–1219 The English Aristocracy 1070-1272: A Social Transformation de D. Crouch.
  • Knights and the Age of Chivalry de R. Rudorff.
  • Knights at Court de Aldo Sacaglione.
  • Chivalry entrevista com Miri Rubin, Matthew Strickland e Laura Ashe para o programa In Our Time da rádio BBC 4
  • The Origins of Courtliness: Civilizing Trends and the Formation of Courtly Ideals, 939-1210 de S. Jaeger.
  • Chivalry and Violence in Medieval Europe Holy Warriors: The Religious Ideology of Chivalry e Medieval Chivalry de R. Kaeuper.
  • Chivalry de M. Keen.
  • Medieval Knights and Chivalry de D. Nardo.
  • Histoire de la Chevalerie de J.-J.-R Roy.
  • The Art of Chivalry ed. H. Nickel, S.W. Pyhrr e L. Tarassuk.
  • La Chevalerie de J.-J. Ampère.
  • Special operations in the age of chivalry, 1100-1550 de Yuval Noah Harari.
  • Knight. The Warrior and World of Chivalry de Robert Jones.
  • For Honour and Fame: Chivalry in England1066-1500 de N. Saul
  • The Reign of Chivalry de R. Barber.

Apresentação: Marcelo Consentino
Produção técnica: Afrânio Cruz
Ilustração: miniatura do Mestre da Cité des Dames e do Mestre do Duc de Bedford manuscrita no Livre de la Reine (1410-14), uma compilação dos escritos da filósofa e poetisa francesa de naturalidade italiana Christine de Pizan (1364-1430) encomendada pela Rainha Isabeau da Baviera, esposa do Rei Charles VI o Louco.

6 de junho de 2018