Édipo

Imagine descobrir que seus pais não são seus pais, que seus filhos são seus meio-irmãos, frutos de seu casamento com sua verdadeira mãe, a viúva de seu pai, que foi assassinado por você – o mesmo pai e mãe, diga-se, que tentaram matá-lo quando bebê. Seria o despertar para um pesadelo? Incesto, infanticídio, parricídio são abominações desde que o homem é homem, porém um homem veio ao mundo não só para sofrer essas calamidades, mas ainda para ver o enforcamento suicida de sua mulher-mãe e, muito depois, velho, mendicante, sem os olhos que cegara com as próprias mãos, o rapto de suas filhas-irmãs e a guerra civil em sua Cidade precipitada por seus filhos-irmãos, aos quais por fim amaldiçoou, profetizando seu fratricídio.

Édipo vem de uma dinastia de personagens que, como Dom Juan, Dom Quixote, Fausto e Hamlet, transcendem, segundo Lowell Edmunds, “as suas origens nacionais e as obras da arte, da música e da literatura que contaram sua história. Cada um atingiu um status especial na imaginação do Ocidente, capaz de falar poderosamente da condição humana. Dos cinco, Édipo, outrora rei de Tebas, pode conclamar o maior dos reinos no pensamento dos nossos tempos”. Na verdade, não só dos nossos, pois, 2500 anos mais velho, Édipo é de longe o mais reinterpretado no grande teatro do Mundo. Muito antes que poetas épicos como Homero e Hesíodo cantassem a sua agonia, Édipo já era cultuado como um espírito tutelar sagrado e seu corpo era objeto de sacrifícios rituais em sepulturas reivindicadas por povos de toda a Grécia. Ancestral dos heróis de Troia, ele magnetizou como nenhum outro os corações da trindade dramatúrgica helênica: Ésquilo, Eurípedes e Sófocles. O Édipo Rei deste último era estimado por Aristóteles como a tragédia por excelência, incomparável em seu poder de purificar nossa humanidade pelas emoções do pavor e da piedade. Com ela em mente, Hölderlin dedicou seu epigrama a Sófocles:

Mais de um tentou em vão dizer o mais alegre com alegria.
Aqui o encontro exprimido por fim na dor.

Além da Grécia, Édipo reviveria nos dramas de outras nações, desde a Roma de Sêneca, até a França de Corneille e a Áustria de Hofmannstahl. E além do palco, o seu enigma desafiou filósofos como Hegel, antropólogos como Lévi-Strauss e psicólogos como Lacan.

Mas quem terá sido Édipo? A maior vítima do Destino ou o maior responsável por sua desgraça? Um maldito soterrado em tormentos ou um herói elevado à condição divina? Será o seu drama uma excrescência macabra da imaginação, um pedaço do inferno na terra destinado a uns raríssimos eleitos para o espetáculo de muitos, ou será um destino que pesa sobre todos nós antes do nascimento, o desejo de fazer sexo com nossa mãe e de castrar e assassinar nosso pai, como sugere o Complexo de Freud – e porventura de matar nossos filhos, como desejou Édipo e seu pai? E podemos nos maravilhar de que as testemunhas anônimas do coro concluíssem assim: “Não ter nascido é a melhor de todas as coisas; mas quando um homem viu a luz do dia, a segunda melhor de longe é voltar o quanto antes ao lugar de onde veio”? Por outro lado, poderemos não nos maravilhar quando um Édipo moribundo diz às filhas resgatadas: “Uma palavra nos livra de todo peso e dor da vida. Esta palavra é amor…”

Convidados

Adriane Duarte: professora de letras clássicas da Universidade de São Paulo e autora de Cenas de reconhecimento na poesia grega.

Flávio de Oliveira: coordenador do Centro de Estudos Clássicos da Universidade de Campinas e tradutor do Rei Édipo.

Lúcia Rocha: professora de Filosofia Antiga da Federal de São Paulo e autora de Édipo Rei, a vontade humana e os desígnios divinos na tragédia de Sófocles.

oferecimento

Fontes em O Grande Teatro do Mundo
No acervo do Café Filosófico – CPFL

http://www.institutocpfl.org.br/evento/cafe-filosofico-cpfl-e-preciso-enfrentar-a-dor-diferentes-modos-ontem-e-hoje-com-regina-herzog-2/

http://www.institutocpfl.org.br/2009/11/30/integra-mito-o-nada-que-e-tudo-antonio-medina-rodrigues-demetrio-magnoli-e-jose-de-paula-ramos-jr/

http://www.institutocpfl.org.br/2017/04/27/cafefilosoficocplf-de-abril-novos-horizontes-da-responsabilidade/

http://www.institutocpfl.org.br/evento/cafe-filosofico-cpfl-de-marco-e-abril/

Referências
  • Édipo Rei, a vontade humana e os desígnios divinos na tragédia de Sófocles de Lúcia Rocha Ferreira.
  • Rei Édipo de Sófocles, tradução introdução e notas de Flávio Ribeiro de Oliveira.
  • História da Literatura Grega de Albin Lesky.
  • “O homem trágico de Sófocles” em Paidéia de Werner Jaeger.
  • Oedipus: A Folklore Casebook editado por L. Edmunds e A. Dundes.
  • Oedipus de Lowell Edmunds.
  • Ödipus und der Ödipuskomplex. Eine Revision de S. Zepf, F.D. Zepf, B. Ulrich e D. Seel.
  • Oedipus Tyrannus: Tragic Heroism and the Limits of Knowledge e Sophocle’s Tragic World de Charles Segal.
  • Oedipus in the Light of Folklore de Vladimir Propp.
  • Cenas de Reconhecimento na Poesia Grega de Adriane Duarte.
  • A Guide to Ancient Greek Drama (Blackwell guides to classical literature) editado por I.C. Storey e A. Allan.
  • A Companion to Greek Tragedy editado por J. Gregory.
  • “Thebes” entrevista radiofônica para o programa In Our Time da Radio BBC 4.
  • The Theater of Apollo – Divine Justice and Sophcle’s Oedipus the King de R. Drew Griffith.
  • Greek Literature de C.M. Bowra.
  • A Companion to Sophocles editado por Kirk Ormand.
  • Sophocles’ Oedipus Rex editado por Harold Bloom.
  • Sophokles de Karl Reihardt.
  • Hamlet and Oedipus de Ernest Jones.

Apresentação: Marcelo Consentino
Produção: Biancamaria Binazzi

9 de novembro de 2017