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Segundo o historiador da cultura judaica Harry Freedman, “os judeus são conhecidos como o Povo do Livro. Mas, na verdade, eles são o povo de Dois Livros. O mais antigo, a Bíblia hebraica, é considerado a palavra sagrada e revelada por Deus. Mas o mais recente, o Talmud feito pelo homem, é o mais significativo para se entender o judaísmo”. Para o exegeta Adin Steinsaltz, o Talmud é “a coluna vertebral da criatividade e da vida nacional judaica”; “se a Bíblia é a pedra fundamental do judaísmo, então o Talmud é a sua pilastra central, erguendo-se das fundações e sustentando todo o seu edifício intelectual e espiritual”.
Tão volumoso quanto uma enciclopédia, o Talmud “cobre tópicos diversos como direito, fé, espiritualidade, folclore, medicina, mágica, ética, sexo, relacionamentos e oração” (Freedman), formando “um conglomerado de lei, lenda e filosofia; a combinação de uma lógica singular e de um pragmatismo concreto, de história e de ciência, de anedotas e de humor” (Steinsaltz). Para Paul Johnson, “este multifacetado corpo de escritos constitui não somente um trabalho de contínua investigação sobre o verdadeiro sentido da Bíblia, mas o corpo vivo da lei comum judaica… Visto em termos ocidentais, é o Direito Natural, a legislação da Bíblia, o Código de Justiniano, o direito canônico, a ‘common law’ inglesa, o direito civil europeu, os estatutos do Parlamento britânico, a Constituição norte-americana e o Código Napoleônico, todos unidos numa só coisa”.
Apesar disso, na opinião de Jacob Neusner, “o Talmud preserva não o consenso, mas o confronto”. Para Freedman, “se a Bíblia levanta questões, o Talmud levanta questões sobre questões”, e “mesmo que se ocupe de leis, comportamentos e crenças, está menos interessado em chegar a conclusões do que em apresentar diferentes modos de se olhar um problema. Não é tanto a decisão final que conta, mas o processo que leva a ela”. Daí porque, segundo Steinsaltz, esse “é possivelmente o único livro sagrado em toda a cultura mundial que permite e mesmo encoraja o seu estudioso a questioná-lo”, exprimindo maximamente a “mistura singular de fé profunda e ceticismo questionador que caracterizou o povo judeu pelos séculos”.
Contrariamente ao que se espera da literatura espiritual, percorrer os casuísmos labirínticos do Talmud, suas contendas rigoristas e minúcias excruciantes, pode ser com frequência causa de desorientação e embaraço. Mas há também cenas de uma simplicidade estarrecedora. A estória conta que, poucos anos antes do nascimento de Cristo, um não judeu dirigiu-se ao Rabino Hillel prometendo converter-se à Lei de Deus sob a condição de que ele a explicasse enquanto apoiado em uma só perna: “O que é odioso para você, não o faça aos outros”, disse o sábio, “Esta é toda a Torá e o resto é comentário. Vá e aprenda”.
Convidados
Alexandre Leone: rabino ordenado pelo Seminário Teológico Judaico de Nova York e professor colaborador do programa de pós-graduação de estudos judaicos e árabes da Universidade de São Paulo.
Moacir Amâncio: professor titular de Literatura Hebraica da Universidade de São Paulo e tradutor do Talmud.
Saul Paves: rabino ordenado pelo Rabinato Chefe de Israel e diretor pedagógico da área judaica do Colégio Iavne.
Fontes em O Grande Teatro do Mundo
Máximas – Talmud - Sécs. III a VI d.C.
A Parábola dos Três Anéis – Gotthold Ephraim Lessing - 1779 d.C
Estórias da família de Deus – Talmud - Séc. III a VI d.C.
O Código de Hammurabi – Hammurabi, o pastor, eleito de Bel, senhor do Céu e da Terra que fixa os destinos do Universo - Séc. XVIII a.C.
Roma versus Jerusalém – Uma cidade contra si mesma, ou: Meu nome é Legião! – Quinhentos crucificados ante um muro de lamentações – Titus Flavius Josephus - 78 d.C.
O fim do Cativeiro, ou: O princípio do Sionismo – Esdras o Escriba - Séc. V a.C.
Sabedoria dos Pais – Talmud - Séc. III ao VI d.C.
Paciência e Ímpeto – Talmud - Sécs. III a VI d.C.
Ouça um trecho do Talmud sobre “Os Mestres das Assembleias”
Saul Paves e Alexandre Leone leem um excerto do Tratado da Chagigah (‘Oferendas Festivais’) em Moéd (‘Estação’) – Talmud II, 12, 3b.
Referências
- O Talmud (Excertos). Tradução, introdução e notas de Moacir Amâncio (Iluminuras).
- O Talmud Essencial de Adin Steinsaltz (A Koogan).
- Everyman’s Talmud de Abraham Cohen (Phoenix).
- The Talmud. A Biography – Banned, Censored and Burned de Harry Freedman (Bloomsbury).
- The Talmud. What It Is and What it Says de Jacob Neusner (Rowan & Littlefield Publishers).
- An Introduction to Judaism de Jacob Neusner (John Knox Press).
- A History of the Jews de Paul Johnson (Harper Perennial).
- Os Judeus. Fé e Destino (Les Juifs. Foi et Destinée) de Paul Démann (Flamboyant)
- Quatro Leituras Talmúdicas (Quatre Lectures Talmudiques) de Emmanuel Levinas (Ed. Objetiva).
- “The Talmud” entrevista em In Our Time.
- “Talmud” na Jewish Encyclopedia.
- Le Cycle Talmud transmissão radiofônica em 5 edições da Radio France.
Ilustração
Rabinos rezando de Anthony Falbo.
Produção e apresentação
Marcelo Consentino
Produção técnica
Echo’s Studio
23 de fevereiro de 2015