Sátira Romana

Todos intuímos o que é uma sátira: um humor crítico ou uma crítica humorada, ora agressiva ora alusiva, contra as hipocrisias das pessoas, costumes, ideologias, literatura e o resto de cena social. Nesse sentido genérico, a sátira é provavelmente tão antiga quanto o gênero humano e onipresente em seu mundo – quem não tem entre seus amigos um mestre da sátira? Como disse o satirista moderno H.L. Mencken “O panorama diário da existência humana, da loucura privada e comunitária … é tão desordenadamente grosseiro e disparatado … que somente um homem nascido com um diafragma petrificado pode não rir para si a fim de dormir todas as noites”.

A sátira vive para zombar da principal definição que Aristóteles dá do homem, o “animal racional”, mas é um impulso tão universal que ilustra como ninguém as outras duas, a de “animal político” e “animal que ri”. Não por acaso, quando a política no mundo antigo atingiu um máximo de complexidade na República e no Império de Roma, a sátira nasceu como gênero literário e recebeu sua forma poética parasitando, ou melhor, parodiando outros gêneros como a lírica, a didática, a inventiva, a comédia e a filosofia. O próprio termo satura significa vulgarmente algo como “mistureba”, uma saturação de substâncias heteróclitas, como as comilanças oferecidas aos deuses, ou as linguiças, ou as miscelâneas de leis e jurisprudências. Como a epopeia, a sátira é uma espécie de micromundo. Mas se os poetas épicos celebram o mundo passado – com seus heróis, deuses, ritos, festivais, triunfos nacionais – os satiristas expõem, protagonizam, punem e instruem o mundo presente – a política, as guerras, o comer e o beber, o fazer dinheiro e os vícios, abusos, tolices e incoerências da vida pública e privada.

Pela humilhação o humor satírico produz humildade. Mas também liberação. Como disse o latinista Daniel Hooley, é “um lugar onde certos lados desregrados de nós mesmos saem para brincar – aqueles aspectos da nossa humanidade animal que estão excluídos ou tampados em outros gêneros. Merda, vômito, pus, gases, sêmen (não muito sangue, um fluido épico), os cheiros do bordel, as desfigurações humanas grotescas – o vergonhoso, desagradável, embaraçoso, risível e desprezível nas pessoas, e ainda assim, como nós realmente em alguns aspectos somos”, é “uma espécie de carnaval, que de modos variados institucionaliza o exercício social onde o escravizado, o suprimido e marginalizado por nós têm seus momentos de exuberante licença antes das travas se fecharem de novo”.

Convidados

Alexandre Hasegawa, professor de Língua e Literatura Latina da Universidade de São Paulo.

Fábio Cairolli, professor de Língua e Literatura Latina da Universidade Federal Fluminense.  

Referências

  • “Eis que chega o poeta satírico Horácio” e “Horácio, o poeta (não apenas) do ‘carpe diem’.” de Alexandre Hasegawa.
  • Sátiras. Fábio Cairolli (Ed. Scortecci).
  • The Cambridge Companion to Roman Satire editador po Kirk Freudenburg.
  • Roman Satire de Daniel M. Hooley.
  • “Roman Satire”: entrevista com Mary Beard, Denis Feeney e Duncan Kennedy para o programa In Our Time da Radio BBC 4.
  • Roman Satire and the Old Comic Tradition de Jennifer L. Ferris-Hill.
  • The Function of Humour in Roman Verse Satire de Maria Plaza. 
  • Figuring Genre in Roman Satire de Catherine Keane.
  • The Power of Satire de R.C. Elliott.
  • Letteratura Latina 2 Vols. de Gian Boagio Conte.
  • “Satira e sfottò” em Dialogo provocatorio sul comico, il tragico la follia e la ragione de Dario Fo. 
  • The Nature of Roman Comedy de George E. Duckworth.
  • The Roman Satirists and their Masks de Susanna Braund.
  • A Companion to Latin Literature editador por Stephen Harrison. 
  • Storia della letteratura Latina de Luciano Perelli. 
  • A Companion to Persius and Juvenal de S. Braund e J. Osgood. 
  • Figuring Genre in Roman Satire de Cagtherine Keane.
  • Satire: Origins and Principlesde M. Hodgart e B. Connery. 
  • Letteratura latina. Storia e testi de G. Pontiggia e M.C. Grandi. 
  • Storia della letteratura latina de B. Riposati. 
  • Satyra. Die Theorie der Satire im Mittellateinischen de Udo Kindermann. 
  • The Origin and Development of Roman Satire de Edna Baldwin. 
  • Latin Literature de Susanna Braund.
  • Satire and Society in Ancient Rome Susan Braund. 
  • A commentary on the Satires of Juvenal de Edward Courtney. 
  • Theorizing Satire: Essays in Literary Criticism de Brian Connery. 

Apresentação: Marcelo Consentino

Produção técnica: Rádio Eldorado

Ilustração: cena de teatro com duas mulheres consultando uma bruxa. Mosaico romano atribuído a Dioscorides de Samos (Villa del Cicerone em Pompeia, hoje no Museo Archeologico Nazionale de Napoles).

10 de janeiro de 2019.