Tolerância

Em 1648 as potências continentais europeias ratificavam a chamada Paz de Westphalia, encerrando trinta anos de guerra civil no Sacro Império Romano-Germânico e oitenta anos de conflitos entre o Reino Espanhol e a República dos Países Baixos. Ainda que os príncipes se comprometessem a garantir a liberdade de culto para todos os seus súditos cristãos, o mundo teria de esperar até 1782 para testemunhar a última execução legal de uma bruxa na Suíça protestante, e até 1826 para o derradeiro herege vitimado pela Inquisição Espanhola. Entrementes, em 1789 a Assembleia Nacional Francesa regulamentava em sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão a liberdade irrestrita de culto e de opinião. Mas, entre setembro de 1793 e julho de 1794, o Tribunal Revolucionário jacobino executaria mais de 40.000 cidadãos franceses, acusados de “inimigos da liberdade”. Do outro lado do canal da mancha, os católicos ingleses teriam de esperar até 1829 para se verem completamente reintegrados à sociedade civil, enquanto a emancipação dos judeus avançava a duras penas em todo o Ocidente. Contudo, caberia ao século XX revelar a face mais brutal do antissemitismo, com cerca de um terço da população judaica sendo dizimada nos campos de concentração nazistas, junto a prisioneiros políticos, padres, ciganos, homossexuais e deficientes físicos e mentais. Logo depois, os 48 países signatários da Declaração Universal dos Direitos Humanos se obrigavam a garantir o direito à liberdade de pensamento, consciência e religião. Mas isso não foi suficiente para impedir o extermínio de milhões de dissidentes políticos durante os regimes stalinista e maoísta, nem o apartheid ou os genocídios no Timor Leste, Coreia do Norte, Ruanda, Bósnia-Herzegovina entre tantos outros. E, hoje, enquanto muitos secularistas se surpreendem de que a religião sequer exista, testemunhamos uma epidemia do extremismo islâmico, que conta com um número cada vez maior de fanáticos dispostos a mutilar suas mulheres, decapitar seus inimigos e explodir seus corpos e os de milhares de inocentes em nome de Deus.

Estes são só alguns capítulos da história da Tolerância. Seria possível prever os próximos? Como a tolerância se transformou de um sinal de fraqueza em um valor hegemônico? Como ela é ameaçada por novas formas de intolerância? E acaso deveríamos ser irrestritamente tolerantes com tudo e com todos, ou, como diz a refugiada somali Ayaan Hirsi Ali, a “tolerância com intolerantes é covardia”?

Convidados

Paula Montero, antropóloga, professora na Universidade de São Paulo e ex-presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento.

Cicero Araujo, doutor em filosofia e professor de Teoria Política na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

Lucas Petroni, editor do site de teoria política Liga da Justiça e pesquisador da Universidade de São Paulo com tese sobre Os Fundamentos Morais da Justiça Social. 

Fontes em O Grande Teatro do Mundo
Referências
  • Da Tolerância (On Toleration) de Michael Walzer (Editora Martins Fontes).
  • Dossiê Tolerância Novos Estudos n. 84 .
  • “Tolleranza”, “Liberalismo”, “Libertà”, “Libertà politica”, “Locke”, “Mill”, “Rawls”, “Comunitarismo”, “Multiculturalismo”, “Dignità umana”, “Diritti umani”, “Pluralismo” e outros na Enciclopedia Filosofica Bompiani.
  • “A política do reconhecimento” (Multiculturalism: Examining the Politics of Recognition) em Argumentos Filosóficos de Charles Taylor (Editora Loyola).
  • Die Einbeziehung des Anderen, Jürgen Habermas (Neuauflage).
  • “Temos o dever de tolerar?” de Lucas Petroni.
  • Liga da Justiça: um blog de teoria política.
  • Il problema della tolleranza religiosa nell’età moderna, Massimo Firpo (Loescher).
  • Toleration in conflict de Rainer Forst (Cambridge University Press).
  • “Tolerância”, “Liberalismo”, “Liberdade de expressão”, “Locke”, “Mill”, “Rawls”, “Comunitarismo”, “Dignidade” e outros no Dicionário de Ética e Filosofia Moral (Dictionnaire d’éthique et de philosophie morale) organizado por Monique Canto-Sperber (Editora Unisinos).
  • “Tolleranza” e outros na Enciclopedia delle Scienze Sociali.
  • O Liberalismo Antigo e Moderno de José Guilerme Merquior (Ed. É Realizações).   
  • “Toleration” e outros na Stanford Encyclopedia of Philosophy.
  • Liberalismo político: uma defesa, dissertação de Lucas Petroni.
  • “Tolerância” e outros no Dicionário de Política (Dizionario di Politica) organizado por N. Bobbio, N. Matteucci e G. Pasquino (Universidade de Brasília).

Produção e apresentação
Marcelo Consentino

Produção técnica
Echo’s Studio

1 de dezembro de 2014