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Em meados do século XIX cerca de 25% do orçamento dos Estados nacionais era destinado a gastos militares e 5% a programas sociais. Hoje estes programas ultrapassaram 50% das despesas e um resíduo sobra às forças armadas. O Estado “militar” se transformou num Estado de “bem-estar”, e nos habituamos a pensar na seguridade social como uma conquista irreversível e cumulativa da civilização. Desde que Bismarck projetou nos anos 1880 seus programas de seguridade compulsória, até William Beveridge implementar no Reino Unido da década de 40 a proteção universal do “berço ao túmulo” contra os cinco “Males Gigantes” – “doença, ignorância, dependência, miséria e ociosidade” –, o consenso se cristalizou em torno ao Estado do Bem-estar como um mecanismo eficaz na cobertura dos riscos da vida e na promoção da justiça distributiva. Entre o fim da Segunda Guerra e a Crise do Petróleo de 1973, a prosperidade, a igualdade e o pleno emprego estavam em harmonia e parecia estar em curso uma síntese ideal entre meritocracia e equidade, eficiência e solidariedade, como se o globo fosse envolvido por uma espécie de segunda natureza – ou Providência, como sugere da nomenclatura francesa de “Estado Providência” – cada vez mais pródiga na concessão de “padrões mínimos de renda, alimentação, saúde, habitação, educação, assegurados a todo cidadão não como caridade mas como direito político” (H.L. Wilensky). Mas será?
Se os marxistas sempre acusaram no modelo uma “muleta” social-democrata para acomodar os interesses do capital, os liberais veem nele a substituição da mão invisível do mercado por uma mão tentacular e omnipresente; um paternalismo incompatível com o desenvolvimento econômico e as liberdades pessoais, que acarreta o ônus da degeneração da responsabilidade individual, sem o bônus da redução da pobreza. Independentemente das críticas ideológicas, os indicadores confirmam que na era da economia globalizada e pós-industrial os sistemas tradicionais de seguridade atravessam uma tripla crise de sustentabilidade. Primeiro financeira, ante o desafio de equilibrar a receita para servir populações mais longevas e exigentes; depois política, ante a necessidade de estruturas adaptáveis a riscos sociais e expectativas de consumo em mutação; e por fim moral, ante o desafio de estimular o empreendedorismo sem sacrificar o compromisso com os mais vulneráveis. Como alertava Norberto Bobbio na década de 80 “a crise fiscal do Estado é tida como um indício da incompatibilidade natural entre as duas funções do Estado assistencial: o fortalecimento do consenso social, da lealdade para com o sistema das grandes organizações de massa, e o apoio à acumulação capitalista com o emprego anticonjuntural da despesa pública. A particular relação que o Welfare state estabeleceu entre Estado e sociedade não é mais entendida em termos de equilíbrio, mas como elemento de uma crise que levará à natural eliminação de um dos dois polos.” – Será?
Convidados
Celia Kerstenetzky: Professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, coordenadora do Centro de Estudos sobre Desigualdade e Desenvolvimento e autora de O Estado de Bem-Estar Social na Idade da Razão.
Eduardo Giannetti: Economista, escritor, filósofo e autor de O valor do amanhã.
Ligia Bahia: Professora de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro e co-editora de Saúde, Desenvolvimento e Inovação.
Oferecimento
Fontes em O Grande Teatro do Mundo
As grandes cidades e a vida do espírito – Georg Simmel - 1903 d.C.
Nossa Atenas – Péricles - 430 a.C.
A Revolução Permanente – Léon Trotsky - 1930 d.C.
Programa do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães – 1920 d.C.
Os Feitos do Divino Augusto – Gaius Octavius César Augusto - 14 d.C.
Anatomia da Democracia – Alexis de Tocqueville - 1840 d.C.
O despotismo do costume, ou: Para onde vai a massa cinzenta – John Stuart Mill - 1859 d.C.
Justiça – Vários Autores
Uma carta aberta ao presidente Roosevelt, ou: Para curar os males da Depressão – John Maynard Keynes - 1933 d.C.
A condição da classe trabalhadora em Londres – Friedrich Engels - 1844 d.C.
A ditadura de César – Gaius Suetonius - 121 d.C.
A Carta de Atenas – Le Corbusier - 1933 d.C.
Confira no Acervo do Café Filosófico – CPFL
Confira também
- Do paradigma da dominação ao do cuidado – Ciclo de 2017
- Novos horizontes da responsabilidade – Ciclo de 2017
- Reflexões sobre a crise e o futuro do trabalho – Ciclo de 2009
Referências
- O Estado do Bem-Estar Social na Idade da Razão de Celia Kerstenetzky.
- “Os caminhos para a servidão” em Não com um Estrondo, Mas com um Gemido (Not with a Bang But a Whimper) de Theodore Dalrymple.
- The Oxford Handbook of the Welfare State de vários autores (Oxford University Press, 2010).
- The Economics of Welfare State e The Welfare State as a Piggy Bank de N. Barr.
- Der Sozialstaat de G. Ritter.
- The development of Welfare States in Europe and America, editado por P. Flora e A.J. Heidenheimer.
- The Welfare State, editado por P. Ellen, F. Miller e J. Paul.
- The Historical Dictionary of the Welfare State de B. Greve.
- “Welfare States” de Paul Johnson, em Western Europe: Economic and Social Change since 1945.
- The Three Worlds of Welfare Capitalism e Politics against markets de Gosta Esping-Andersen.
- “Wiling slaves of the Welfare State – Is progress possible?” de C.S. Lewis.
- Welfare States in Transition editado por G. Esping-Andersen.
- The Welfare Nations e The Welfare State We’re de James Bartholomew.
- Just institutions matter: the moral end political logic of the universal welfare state de Bo Rothstein
- The End of Welfare e “Welfare State” de Michael Tanner (verbete da Encyclopedia of Libertarianism).
- Stato sociale, Giustizia Sociale e outros verbetes da Enciclopedia Filosofica Bombiani.
- “Estado do Bem-Estar” verbete do Dicionário de Política de N. Bobbio.
- “L’Etat providence est-il conçu pour résister à la crise?” debate transmitido pela Radio France.
Apresentação: Marcelo Consentino
Produção: Biancamaria Binazzi
6 de novembro de 2017