Os Profetas de Israel

Entre muçulmanos, cristãos e judeus, cerca de dois terços da população mundial é devota ao Deus de Israel. E nunca – salvo talvez em Jesus – ele falou tanto em primeira pessoa quanto pela boca dos profetas. Maomé se considerava o último, e seus fiéis, o maior. Cristo foi tomado por profeta, ainda que para muitos, falso. Ele mesmo dizia ter vindo para levar a missão dos profetas à perfeição e viu em João Batista o retorno do profeta Elias, com o qual aliás, segundo Mateus, Marcos e Lucas, conversou num instante de transfiguração junto a Moisés e seu Pai acerca do seu destino e do de Jerusalém. Dentre os 48 profetas e sete profetisas consagrados pelos judeus, Elias é a figura tipicamente folclórica do pregador, reformista e milagreiro errante. Muito antes, o pai da raça, Abraão; Moisés, arquétipo dos profetas e também dos sacerdotes e reis; Samuel, vidente e juiz que institucionalizou o profetismo e a monarquia sobre as tribos de Israel; e logo depois poetas como Isaías e Ezequiel. Foram algumas das pessoas mais perturbadoras (e por vezes perturbadas) que já viveram. Em nome de Deus, Oséias se casou com uma prostituta, Elias massacrou 450 sacerdotes pagãos, e Eliseu, invocando duas ursas, trucidou 42 garotos por tirarem sarro de sua careca. Jeremias tinha traços paranoicos. O espúrio Jonas fugiu de Deus e foi engolido por uma baleia. Todos sofreram a ira de YAHWEH contra a infidelidade de seu povo, acusaram esta ira e por isso sofreram a ira do povo. Como Moisés, o profeta deve mediar os dois lados: “deve se deixar inflamar pela chama da ira de Deus contra o povo”, dizia o teólogo von Balthasar, mas “como aquele que incorpora essa ira, deve ‘se voltar a Deus’, confessar o pecado e oferecer a si mesmo para uma autoimolação na qual a ira e o pecado se tornam um.” Deste “Eu” dilacerado na luta entre Deus e seu povo muitos exegetas viram surgir não só obras primas como o Livro das Lamentações ou o de Jó, mas, pela primeira vez na história, a noção de “indivíduo.” O Deus dos profetas é único, imutável, onipotente; prefere obediência e misericórdia a rituais; castiga as iniquidades contra os fracos; e pedirá contas às nações por violarem a lei natural e a Israel por violar a sua Lei. Entre a graça e o castigo, a maldição presente e a glória futura, sua mensagem é severa, porém alentadora: Deus restaurará a justiça cumprindo suas promessas ao seu povo e, através deste, à Humanidade. Será a “Consolação de Sião” reservada ao “Resto de Israel”; o “Dia do Senhor” que nascerá com o “Filho do Homem”, o menino Emanuel, “Servo Sofredor” “ungido” que de uma “Jerusalém Eterna” instaurará a “Era da Paz” para o mundo. Com esse impulso ao futuro os profetas estão na origem da visão escatológica cristã do messias e do seu reino milenar e logo, por vias tortas, dos messianismos e milenarismos seculares como o comunismo ou o nazismo. Mas o que as mensagens proféticas terão a nos dizer hoje?

Convidados

Carlos Alberto Contieri: jesuíta pós-graduado em exegese bíblica pelo Instituto Bíblico de Roma, pela Universidade de Louvain e pela École Biblique de Jerusalém.

Francisco Moreno: doutor em Língua Hebraica, Literatura e Cultura Judaica pela Universidade de São Paulo.

Suzana Chwarts: professora livre-docente de Estudos da Bíblia Hebraica na Universidade de São Paulo e autora de Esterilidade na Bíblia Hebraica Via Maris: Textos e Contextos na Bíblia Hebraica.

Fontes em O Grande Teatro do Mundo
Referências
  • Teologia do Antigo Testamento – Volume 2 (Theologie des Alten Testaments, Band 2: Die Theologie der prophetischen Überlieferung Israels) de Gerhard von Rad.
  • Herrlichkeit: Eine theologische, Asthetik, III, 2: Theologie, Teil I: Alter Bund de Hans Urs von Balthasar.
  • The Prophets de Abraham Joshua Heschel.
  • Prophètes et prophéties editado por André Neher.
  • The Prophetic Faith de Martin Buber.
  • Among the Prophets – Language, Image and Structure in the Prophetic Writings editado por P.R. Davies e D.J.A. Clines.
  • Prophecy and Prophets in Ancient Israel: Proceedings of the Oxford Old Testament Seminar editado por John Day.
  • Dictionnaire encyclopédique du judaïsme editado por Geoffrey Wigoder e Sylvie Anne Goldberg.
  • Israel’s Prophets and Israel’s Past editado por B.E. Kelle e M.B. Moore.
  • The Roles of Israel’s Prophets de D. Petersen.
  • “Os Profetas” em Ordem e História. I. Israel e a Revelação (Order and History) de Eric Voegelin.
  • “Prophecy, Prophet and Prophetess” verbete da Catholic Encyclopedia.
  • Comprendre les Prophètes – Neviim de Yael Azoulay.
  • “Prophets and Prophecy” verbete da Jewish Encyclopedia
  • “The Prophets” de H. Spieckermann, K. Koch e J.L. Crenshaw em The Blackwell Companion to the Hebrew Bible.
  • Die Heilige Schrift: Tanach. Torah – Newiim – Ketuwim. Die vierundzwanzig Bücher der Heiligen Schrift. Hebräisch-Deutsch. Nach dem Masoretischen Text de Leopold Zunz.
  • “The Prophetic Books” de Robert Wilson em The Cambridge Companion to Biblical Interpretation
  • The Story of the Jews de Simon Schama.
  • A History of Prophecy in Israel de Joseph Blenkinsopp.
  • The History of the Jews de Paul Johnson.
  • Lehrbuch der jüdischen Bibel de H. Liss, A.M. Böckler e B. Landthaler.
  • “Prophecy”, em In Our Time, transmissão radiofônica da emissora BBC 4.
  • Prophecy in Early Christianity and the Ancient Mediterranean World de David E. Aune.
  • The New Testament: A Historical Introduction to the Early Christian de Bart D. Ehrman.
  • Prophets, Prophecy, and Prophetic Texts in Second Temple Judaism editado por Michael H. Floyd e Robert D. Haak.
  • Prophecy and the Biblical Prophetsde John F. A. Sawyer.
  • Prophecy and Society in Ancient Israelde Robert R. Wilson.

 

Apresentação: Marcelo Consentino
Produção técnica: Afrânio Cruz
Ilustração: (do mais próximo ao mais distante) Isaías, Baruque e Oseias, do conjunto dos 12 Profetas de Antônio Francisco Lisboa (o “Aleijadinho”), esculpido entre 1794 e 1804, no adro do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas do Campo, Minas Gerais.

25 de maio de 2018