Podcast: Play in new window | Download
Na mesma época em que o louco da parábola de Nietzsche proclamava que “Deus está morto”, o filósofo russo Vladimir Soloviov era indagado após uma conferência: “– Mas o senhor acredita realmente em Deus?” “– Senhor, eu só acredito em Deus”, respondeu, sugerindo que só um ser supremo absolutamente bom é digno da nossa absoluta confiança.
Hoje, pelo menos 90% da população mundial se diz religiosa ou espiritualizada, 70% acredita na existência de Deus. Mas podem prová-la? Entre os profissionais da argumentação racional, os filósofos acadêmicos, estima-se que 7 em 10 sejam descrentes. Com boas razões: as ciências parecem explicar a mecânica do universo sem necessidade de Deus; um ateu pode ser tão razoável e decente quanto o melhor dos crentes, e mesmo profundamente religioso e até santo, como alguns budistas. De resto, como Deus pode tolerar o mal, o sofrimento de crianças inocentes, para não falar da crueldade eterna do inferno? Na pior das hipóteses, as religiões parecem ser tiranias obscurantistas adoradoras de um ditador cósmico; na melhor, o conforto de um placebo superlativo – em todo caso, uma ilusão sem futuro.
Por outro lado, se nada no universo vem do nada, como o próprio universo pode vir do nada? Que da matéria bruta surjam seres vivos, capazes de amar e se reproduzir; ou que da brutalidade e inocência do mundo animal surjam mentes racionais, capazes de compreender o universo e agir com suprema magnanimidade – mas também com perversidade destrutiva –, mesmo para com todas as criaturas, parecem eventos tão improváveis que só podem ser definidos como um mistério, quando não um milagre. E de onde viria o nosso apetite pela beleza infinita, senão de um ser infinitamente belo? Ainda que as leis morais pareçam infinitamente variáveis, de onde viria a intuição universal de uma lei moral, senão de um supremo legislador? E que dizer da experiência pessoal da maioria da humanidade hoje e em todos os tempos? O testemunho de filósofos como Confúcio, Platão, Aristóteles, Descartes ou Kant; de cientistas como Galileu, Newton ou Einstein; de artistas como Michelangelo, Bach, Dostoievski; ou de profetas, como Moisés e Maomé, para não falar do chamado Filho de Deus e sua mãe, não será, senão uma “prova” racional da existência de Deus, um indício de que a crença nele é perfeitamente razoável? E não será possível, como disse Pascal, que Deus queira aparecer abertamente àqueles que o buscam com todo o coração, e se esconder daqueles que o evitam com todo o coração?
Entre tantas incertezas, uma coisa é certa: a questão sobre a existência de Deus é aquela sobre a qual não se pode conceber nenhuma maior. Afinal, a resposta é a única que muda, bastante literalmente, tudo.
CONVIDADOS
Agnaldo Portugal: professor de filosofia da religião e filosofia da ciência da Universidade de Brasília.
Fabio Bertato: pesquisador do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência da Unicamp.
Roberto Covolan: vice-presidente da Associação Brasileira de Cristãos na Ciência.
Referências
- The Existence of God. A reader, ed. John Hick.
- Two Dozen (or so) Theistic Arguments, de Alvin Plantinga.
- God in Proof. The story of a search from ancients to the internet, de Nathan Schneider.
- The Existence of God, de Richard Swinburne.
- The Blackwell companion to Natural Theology, ed. W.L. Craig e J.P. Moreland.
- “The Existence of God”, Catholic Encyclopedia.
- Dieu existe, de Fréderic Guillaud.
- La Question philosophique de l’existence de Dieu, de Bernard Sève.
- Comment se pose aujourd’hui le probleme de l’existence de Dieu, de Claude Tresmontant.
- L’existence de Dieu: Les arguments de l’agnosticisme de l’athéisme et du théisme, de Philippe Thiry.
- Existiert Gott? De Hans Küng.
- The Encyclopedia of World Religions, org. R.S. Ellwood e G.D. Alles.
- Britannica Encyclopedia of World Religions, org. W. Doniger.
- Religions of the World. A comprehensive Encyclopedia of Beliefs and Practices, org. J.G. Melton e M. Baumann.
- Encyclopedia of Religion, org. Lindsay Jones.
Apresentação: Marcelo Consentino
Produção técnica: Compasso Coolab.
Ilustração: Kharps (iStockphotos)