A Revolução Russa

O centenário da Revolução se foi sem celebração oficial. “Por que deveríamos comemorar um evento desse tipo?” disse o porta-voz do Kremlin. Mas que tipo de evento é esse?

Nascido enquanto astrônomos como Copérnico revolviam o universo, o termo “revolução” debuta na política com o parlamento inglês submetendo o rei na Revolução Gloriosa e retorna com a Revolução americana celebrando a autodeterminação de sua nação e de seus cidadãos. Se essas revoluções buscavam preservar direitos políticos, a primeira a ambicionar a criação de uma nova ordem social foi a francesa. Daí em diante, “Revolução” passou a denotar planos grandiosos para transformar o mundo. Com efeito, do Ártico ao Mar Negro, do Báltico ao Extremo Oriente, a Revolução russa cobriria um sexto do globo com seu Estado socialista. Ela “se mostrou o mais consequente evento do século XX, inspirando movimentos comunistas e revoluções pelo mundo, notavelmente na China, provocando a reação na forma do fascismo, e depois de 1945 tendo uma profunda influência em muitos movimentos anticoloniais e moldando a arquitetura das relações internacionais através da Guerra Fria.” (S.A. Smith). Gerações à esquerda professaram a fé na visão milenarista bolchevique da abolição da propriedade privada, do lucro, do mercado e da sociedade civil. Conforme o seu catecismo marxista, a sociedade capitalista estava colapsando por contradições internas e este colapso (a “revolução”) seria consumado pelos operários industriais (o “proletariado”). Paradoxalmente, a revolução soviética foi executada num país agrário por uma vanguarda de elite que via a classe trabalhadora como mera massa recalcitrante. Pode-se até perguntar se tudo não passou da autocracia mudando tudo para que tudo permanecesse como era. O filósofo Berdiaev via uma relação tão íntima entre o novo regime e o velho que chegava a negar ter havido uma “revolução russa”: “todo passado está se repetindo a si mesmo e age somente por trás de novas máscaras”. De fato, o patrimonialismo imperial se fundava em quatro pilares: o autocrata; a sua posse dos recursos da nação; o seu direito ao serviço irrestrito dos súditos; e o seu controle da informação. “Em todas estas instâncias” constatou Richard Pipes “os bolcheviques encontraram modelos não em Marx, Engels ou nos socialistas ocidentais, mas no czarismo”. Ante o terror vermelho, ele concluía: “A revolução russa levantou a mais profunda das questões morais sobre a natureza da política – ou seja o direito dos governos de tentar refazer seres humanos e remodelar a sociedade sem o seu mandato e mesmo contra a sua vontade: a legitimidade do velho slogan comunista, ‘Conduziremos a humanidade à felicidade pela força!’”

Sete décadas e dezenas de milhões de vítimas depois, o sucessor de Lenin e Stalin na Rússia, Boris Yeltsin, declarava ante o Congresso americano: “O mundo pode respirar aliviado. O ídolo do Comunismo que disseminou por toda parte conflito social, animosidade, e brutalidade sem precedentes, que instilou o medo na humanidade, colapsou. Colapsou, para jamais se erguer de novo”. Será? Terá sido a Revolução Russa a última grande revolução ou só o primeiro tremor de uma revolução total, como um espectro que ronda o mundo?

Convidados

Daniel Aarão: professor de História Contemporânea na Universidade Federal Fluminense e autor de A Revolução que mudou o Mundo.

Bolívar Lamounier: cientista político, diretor da Augurium Consultoria e autor de Tribunais, Profetas e Sacerdotes: intelectuais e ideologias no século XX.

Vinícius Müller: professor de História Econômica do Instituto de Ensino e Pesquisa e da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado.

Oferecimento 

Fontes em O Grande Teatro do Mundo

No acervo do Café Filosófico – CPFL

http://www.institutocpfl.org.br/2009/12/01/os-fantasmas-da-perfeicao/

http://www.institutocpfl.org.br/evento/cafe-filosofico-cpfl-o-poder-dos-palacios-e-a-forca-das-pracas-com-roberto-romano/?tax=tipo-de-evento&tipo-de-evento&scope=future

Referências
  • A Revolução Russa, 1917-1921 de Daniel Aarão.
  • Rumo à Estação Finlândia (To the Finland Station) de Edmund Wilson.
  • A Revolução Russa de 1917 (La Révolution de 1917) de Marc Ferro.
  • História concisa da revolução russa (Concise History of The Russian Revolution) de Richard Pipes.
  • A Revolução Russa (The Russian Revolution) de S.A Smith.
  • Lênin e a Revolução Russa de Christopher Hill.
  • A Revolução Russa de Lenin a Stalin (The Russian Revolution. From Lenin to Stalin) de Edward Hallett Carr.
  • La Révolution inachevée: cinquante années de revolution en Union soviétique, 1917-1967 de Isaac Deutcher.
  • The Russian Revolution de Mark D. Steinberg.
  • The Russian Revolution de Sheila Fitzpatrick.
  • 1917 : la Russie en revolution de Nicolas Werth.
  • Revolutionary Russia. New Approaches ditado por Rex A. Wade.
  • La Révolution russe. 1891-1924 : la tragédie d’un people de Orlando Figes.
  • Comprendre la Révolution russe de M. Malia.
  • La tragedia della rivoluzione russa (1917-1921) de E. Cinnella.
  • Cambridge History of Russia, vol. 2–3.
  • A Critical Companion to the Russian Revolution, 1914–1921 editado por E. Acton, V. Cherniaev e W.G. Rosenberg. 
  • The Russian Revolution, Volume I: 1917-1918: From the Overthrow of the Tsar to the Assumption of Power by the Bolsheviks; The Russian Revolution, Volume II: 1918-1921: From the Civil War to the Consolidation of Power de William Henry Chamberlin.
  • Les Sources et le sens du communisme russede Nicolai Berdiaeff.
  • The ‘Russian’ Civil Wars, 1916-1926: Ten Years That Shook the World de Jonathan Smele. 
  • Analysing the Russian Revolution de Richard Malone.
  • Main currents of Marxism de Leszeck Kolakowski.

Apresentação: Marcelo Consentino
Produção: Biancamaria Binazzi
Ilustração: Da zdravstvuyet velikoe, nepobedimoe znamya Marksa-Engel’sa-Lenina-Stalina! [Vida longa à Grande, Invencível Bandeira de Marx, Engels, Lenin e Stalin!], poster de A. Kossov. Publicado pela Iskusstvo, Moscou, 1953.

14 de dezembro de 2017