A Rota da Seda

O nome “Rota da Seda” é uma convenção historiográfica do século XIX para designar o fluxo comercial ancestral da Eurásia. Na verdade, a seda era uma mercadoria de várias, e não houve uma rota, mas inúmeras, ao norte e ao sul, através das estepes, desertos, montanhas e mares, conectando desde a costa chinesa do Pacífico às costas atlânticas da Europa e da África; da Escandinávia ao Oceano Índico.

Desde os tempos neolíticos até se consolidarem há 2000 anos – muito antes das navegações transatlânticas descobrirem um novo Mundo e a aviação conectar todas as regiões do globo – as rotas formaram a principal artéria intercontinental do planeta, por onde trafegavam mercadores, viajantes, missionários e peregrinos permutando mercadorias e ideias, mas também doenças e violência. Através de suas veias e vasos capilares o Oriente e o Ocidente trocaram entre si o melhor de sua comida, indústria e arte, nutrindo os fluxos de ascensão e queda de grandes impérios gregos, iranianos, árabes ou turcos. Nelas os povos bárbaros e exóticos da Europa conheceram as civilizações mais veneráveis da Ásia, e receberam delas tecnologias revolucionárias, como a pólvora ou o papel. Elas canalizaram as conquistas de Alexandre o Grande ou Gengis Khan e as aventuras de Marco Polo e outros comerciantes. Através delas floresceram cidades legendárias, como Persépolis, Samarkand ou Xanadu; os mongóis, e, em nosso tempo, os russos, ergueram os mais vastos impérios do mundo; os califas muçulmanos e os imperadores chineses se bateram; as antigas religiões do Oriente Médio, como o judaísmo, o zoroastrismo, o maniqueísmo e as primeiras seitas cristãs confluíram para a Ásia profunda, e o budismo e o Islã disseminaram-se ao norte, sul, leste e oeste tornando-se religiões mundiais. Nelas, uma das duas civilizações mais antigas do mundo e uma das duas mais poderosas de nosso tempo, a China, se encontrou com aquela que foi comparativamente a mais poderosa de todos os tempos, Roma.

Após as navegações transatlânticas, as rotas perderam muito de seu apelo, mas ainda catalisaram maravilhas modernas como o Canal de Suez ou a Ferrovia Trans-Eurasiana. E em nosso tempo a China planeja investimentos trilionários na “Nova Rota da Seda” que impactarão diretamente as economias da Ásia, Europa e África e plasmarão a nova ordem geopolítica global. Ao fim, por mais convencional que seja, o nome Rota da Seda não é ruim: a “rota” é uma metáfora para o eterno percurso do sol crescente ao sol poente e vice-versa. E para o comércio internacional e seus bens – o ouro, o luxo, a aventura, o poder – nada simboliza melhor que a “seda” a cor, a luz, a leveza e a fugacidade que tecem estes sonhos.

CONVIDADOS

André Bueno: professor de história e filosofia chinesa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Daniel Veras: pesquisador do Núcleo de Estudos Brasil-China da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro.

Evandro Menezes de Carvalho: pesquisador do Núcleo de Estudos Brasil-China da Fundação Getúlio Vargas.

REFERÊNCIAS

  • Roma e o Extremo Oriente, de Raoul McLaughlin.
  • O Coração do Mundo, de Peter Frankopan.
  • “The Silk Road”, entrevista para o programa In Our Time, Radio BBC 4.
  • The Silk Road. A New History, de Valerie Hansen.
  • The Silk Road Encyclopedia, ed. Jeong Su-Il.
  • Empires of the Silk Road. A History of Central Eurasia from the Bronze Age to the Present, de Christopher I. Beckwith.
  • History of Civilizations of Central Asia, ed. János Harmatta.
  • The Silk Road. A Very Short Introduction, de James A. Millward.
  • The Silk Road in World History, de Xinru Liu.

Apresentação: Marcelo Consentino

Produção técnica: Compasso Coolab.

Ilustração: Caravana de Marco Polo, do Atlas Catalão de Carlos V, 1375.