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1.500 anos após a queda do Império no Ocidente, o Direito Romano vive hoje, como viveu na era medieval e moderna, na condição de matriz dos códigos civis da Europa continental, assim como da América Latina e mesmo do Japão. Sua influência hegemônica no direito público e privado é um fato mensurável linguisticamente: “Jurisprudência”, “Tribunal”, “República”, “Plebiscito”, “Lei”, “Senado” e tantas outras instituições jurídicas e políticas vitais à nossa organização social têm seus nomes derivados do léxico romano clássico. Ironicamente, a única exceção à regra talvez seja o próprio vocábulo “Direito”, fruto espúrio do latim medieval, posto que na Roma antiga “Direito” e “Justiça” se fundiam originariamente numa só palavra, ius, um conceito tão omnipresente na biosfera romana, que em toda a literatura produzida por seus jurisprudentes – a primeira ciência jurídica do mundo – só se encontram escassas definições, e mesmo elas parecem descrever não tanto a realidade do direito tal qual ele é, mas sim um ideal de justiça moral tal qual ela deveria ser. Para um deles ius é “a técnica de se realizar o bem e a equidade”, para outro os preceitos do direito são “viver honestamente, não prejudicar os outros e atribuir a cada um aquilo que é seu”.
A epopeia da cidade que se tornou o mais poderoso império que o mundo já conheceu foi também a história da consolidação de uma Lei e uma Ordem comuns para a maior parte da Europa, África do Norte e Oriente Médio. Ninguém exprimiu mais contundentemente esse destino quanto o maior dos poetas romanos, Virgílio, na admoestação premonitória do troiano Anquises ao seu filho Eneias, o pai mítico da raça romana: “Romano, lembra o teu poder para governar sobre os povos da Terra – pois tuas artes hão de ser estas: pacificar, impor o império da lei, poupar os vencidos, abater os soberbos”. A verdade, contudo, é que o próprio herói encerraria sua saga enterrando seu gládio no peito de seu oponente, enquanto este, rendido, lhe suplicava misericórdia. E a expansão do Império romano significou também a perpetuação dos dois maiores males sociais que a humanidade já produziu: a escravidão e a guerra. Nisso Roma não se diferenciava dos outros povos da Antiguidade. Todos basearam suas estruturas econômicas e políticas nestas duas perversões – todos viveram pela espada e morreram pela espada. Roma só foi, talvez, mais eficiente – e sua queda, mais espetacular. Os frutos originais do solo romano foram, sim, juristas capazes de manter um saudável realismo para com os fatos ante seus olhos, sem sufocar o idealismo em seu coração. Como um certo Ulpiano, que olhando em torno constatava, cerca de 2.000 anos antes da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que “a escravidão é própria do ius gentium, o direito dos povos, mas não do ius naturale, porque pelo direito natural todos os homens nascem livres”.
Convidados
Bernardo Queiroz de Moraes, livre-docente e professor de Direito Romano da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Carlos Boucault, professor de direito da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho e coordenador do projeto de pesquisa “Hierarquia entre Direito e Retórica no Final da República Romana”.
Tomás Olcese, professor de Direito na Universidade Anhembi Morumbi e pesquisador do projeto temático da Universidade de São Paulo “As Origens Romanas do Código Civil Brasileiro”.
Fontes em O Grande Teatro do Mundo
Os Três Poderes – Montesquieu - 1748 d.C.
Responsabilidade – Vários autores
Nossa Atenas – Péricles - 430 a.C.
Os Feitos do Divino Augusto – Gaius Octavius César Augusto - 14 d.C.
Da liberdade dos antigos comparada àquela dos modernos – Benjamin Constant - 1819 d.C.
O Código de Hammurabi – Hammurabi, o pastor, eleito de Bel, senhor do Céu e da Terra que fixa os destinos do Universo - Séc. XVIII a.C.
Justiça – Vários Autores
A Tragédia de Júlio César – William Shakespeare - 1599 d.C.
Roma versus Jerusalém – Uma cidade contra si mesma, ou: Meu nome é Legião! – Quinhentos crucificados ante um muro de lamentações – Titus Flavius Josephus - 78 d.C.
A Constituição da República romana – Polibius - Séc. II a.C.
A ditadura de César – Gaius Suetonius - 121 d.C.
A profecia de um pai no mundo dos mortos – Virgílio - Séc. I a.C.
Referências
- História do Direito Romano (Storia del diritto romano) de Mario Bretone (Estampa).
- A Cidade Antiga (La Cité Antique. Étude sur le culte, le droit, les institutions de la Grèce et de Rome) de Fustel de Coulanges (Ediouro).
- Direito Romano de Thomas Marky (Centro Acadêmico 22 de agosto).
- Istituzioni di Diritto Romano de Matteo Marrone (Palumbo).
- Istitituzioni di Diritto Romano de Mario Talamanca (Giuffrè Editore).
- Lineamenti di Storia del Diritto Romano organizado por Mario Talamanca (Giuffrè Editore).
- Roman Law, Contemporary Law, European Law. The Civilizan Tradition Today de Reinhard Zimmermann (Oxford University Press).
- Les grands systèmes de droit contemporains de René David (Camille Jauffret-Spinosi).
- Roman Civilization. Sourcebooks I. The Republic; II. The Empire editado por N. Lewis e M. Reinhold (Harper Torchbooks).
- História de Roma (Rome) de Michel Rostovtzeff (Zahar Editores).
- História de Roma – excertos (Römische Geschichte. 5 vols.) de Theodor von Mommsen (Editora Delta).
- Encyclopedic Dictionary of Roman Law de Adolf Berger.
- Istituzioni di Diritto Romano de Biondo Biondi (Giuffré Editore).
- Le droit romain de Michel Villey (PUF).
- A History of Rome to 565 a.D. de a A.E.R. Boak e R. Hudson (The MacMilllan Company).
- Ius: l’invenzioni del diritto in Occidente de Aldo Schiavoni (Einaudi).
Produção e apresentação
Marcelo Consentino
Produção técnica
Jukebox
27 de abril de 2015