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Na Grécia antiga, Aristóteles (ou um discípulo) se perguntava: “Por que todos os indivíduos excepcionais, na atividade filosófica ou política, artística ou literária, têm um temperamento melancólico e atrabiliário, sendo mesmo afetados pelos estados doentios que derivam disso?”
Segundo a medicina da época, todos os nossos estados de ânimo seriam regulados pelo fluxo dos quatro humores ou fluidos vitais: o sangue, a fleuma, a bile amarela e a bile negra (em grego: melàina cholé). Para Hipócrates, o “pai da medicina”, o excesso de líquido negro levava a uma permanência aberrante do “medo” e do “desânimo”, e daí os sintomas do melancólico: a lenteza de gestos, o comportamento penseroso, o abatimento, a genialidade criativa irritadiça. Dali em diante, essa misteriosa “tristeza sem causa” seguiu seu curso oscilante na história humana, enviesando-se pelos campos da espiritualidade, da filosofia, da vida moral e das artes e letras, e desencadeando ora um quietismo desesperado ante as misérias do mundo, ora a abertura das portas da percepção. Mas desde Galeno, passando por Robert Burton até Freud, toda vez que se tentou traçar rigorosamente os limites conceituais da melancolia, esses mesmos limites foram, ato contínuo, borrados pela fluidez de seu objeto. E mesmo hoje, na era da moderna neuropsiquiatria e dos psicofármacos sintéticos, não é diferente.
Afinal, acaso estamos mais perto de solucionar o enigma da melancolia do que Aristóteles há 2.500 anos? De lá para cá, não terá o humor negro se disseminado sempre mais, se não por nosso corpo ao menos por nosso espírito, na tragédia existencial da multidão anônima de neurastênicos, apáticos e depressivos, mas também nas obras dos artistas, filósofos e poetas que amamos? Parafraseando um deles, não terá toda a história universal sido escrita com a “pena da galhofa e a tinta da melancolia”? E o que é afinal a melancolia? Será uma condição universal ou a cifra de um quadro psicopatológico? Será um pecado mortal (o “Demônio do Meio-Dia”) ou um furor criativo? Será um traço de temperamento ou o sinal de alguma perda irreparável? Será um mergulho místico em nosso coração na presença – ou ausência – do Ser absoluto ou será, enfim, um transtorno mental que pode levar à morte dos suicidas?
Convidados
Ivan Frias: pós-doutor em Historia da Filosofia pela Universidade de Nantes na França, médico, e autor de Doença do Corpo, Doença da Alma – medicina e filosofia na Grécia Clássica.
Lilian Wurzba: professora doutora do Instituto Jungiano e autora de Natureza irreal ou fantástica realidade? Reflexões sobre a melancolia religiosa e suas expressões simbólicas na obra de Hironymus Bosch.
Rodrigo Petronio: doutor em Literatura Comparada (UERJ), escritor, filósofo e professor titular da Fundação Armando Alvares Penteado.
oferecimento
Fontes em O Grande Teatro do Mundo
O Centro e os Extremos – Várias vozes
Torso arcaico de Apolo – Rainer Maria Rilke. 1926 d.C.
Deuses artificiais (no jardim de Satanás) – Charles Baudelaire - 1860 d.C.
Prenúncios da Imortalidade Recolhidos da Mais Tenra Infância – William Wordsworth - 1807 d.C.
Diálogo final de “Assassino sem recompensa” – Eugène Ionesco - 1958 d.C.
Atmosfera de decadência – Johan Huizinga - 1935 d.C.
Tristão louco e Isolda, a Loura das Brancas Mãos – Anônimo - c. Século XI d.C.
Cristianismo sem lágrimas, ou Do direito de ser infeliz: diálogo entre um bárbaro e um tecnocrata – Aldous Huxley - 1932 d.C.
O gigante Adamastor – Luís Vaz de Camões - 1572 d.C.
À linda madonna loira Laura lira, louro, lírio, auréola e ouro – Francesco Petrarca - 1336-74 d.C.
Desproporção do Homem – Entre os abismos do Infinito e do Nada – Blaise Pascal - 1670 d.C.
Amadeus Místico – Uma Teodiceia Mozarteana – Karl Barth - 1950 d.C.
O Mito de Sísifo – Albert Camus - 1942 d.C.
A Ciência, a Angústia e o Nada – Martin Heidegger - 1929 d.C.
No acervo Café Filosófico – CPFL
http://www.institutocpfl.org.br/2017/04/24/arquivo-serie-do-cafe-na-tv-sobre-melancolia/
http://www.institutocpfl.org.br/2017/04/27/cafefilosoficocplf-de-abril-novos-horizontes-da-responsabilidade/
http://www.institutocpfl.org.br/2017/05/27/modulo-pilulas-e-palavras-as-sextas-no-instituto-cpfl/
Referências
- A tinta da Melancolia: Uma história cultura da tristeza (L’encre de la mélancholie); A melancolia diante do espelho (La mélancholie au miroir) e outros de Jean Starobinski.
- Metáfora e Melancolia: Ensaios médico-filosóficos; La Maladie de l’âme : étude sur la relation de l’âme et du corps dans la tradition médico-philosophique antique; Melancholia : le malaise de l’individu e outros de Jackie Pigeaud.
- Doença do Corpo, Doença da Alma – medicina e filosofia na Grécia Clássica de Ivan Frias.
- Natureza irreal ou fantástica realidade? Reflexões sobre a melancolia religiosa e suas expressões simbólicas na obra de Hironymus Bosch de Lilian Wurzba.
- O Demônio do Meio-Dia – Uma anatomia da depressão (The Noon Day Demon) de Andrew Solomon.
- Melancolia de Ernildo Stein.
- Revolta e Melancolia de Michael Lowy e Robert Sayre.
- Melancolia: Literatura de Luiz Costa Lima.
- Depressão e Melancolia. Estrutura e classificação dos estados depressivos de Richard Bucher.
- Melancholie und mania de Ludwig Binswanger.
- Melancholie: zur Problematischichte, Typologie, Pathgenese und Klinik de Hubertus Telenbach.
- Melancholia and Depression de Stanley Jackson.
- Saturn and Melancholy. Studies in the History of Natural Philosophy, Religion and Arte de R. Klibansky, E. Panofsky e F. Saxl.
- Malinconia de E. Borgna.
- Over de Melancholie de Romano Guardini.
- Melancolies: de l’Antiquité au XXe. Siècle, antologia organizada por Yves Hersant.
- Le Cycle Mélancolie transmissão radiofônica em 5 episódios (“Proust”, “Pessoa”, “Cioran”, “Robert Burton”, “Anthologie de l’humeur noire”) da RadioFrance.
- The Routledge History of Madness and Mental Health editado por Greg Eghigian.
Apresentação: Marcelo Consentino
Produção: Biancamaria Binazzi
17 de outubro de 2017