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Em nossa época marcada pela desmitologização das crenças tradicionais, pelo relativismo moral e, na literatura, pelo questionamento e mesmo a ridicularização do heroísmo, é surpreendente que um professor de filologia tenha não só ambicionado criar uma mitologia para sua nação, mas também repaginado a figura do herói aventureiro e não contente imaginado, com uma riqueza de detalhes jamais ultrapassada antes ou depois, todo um mundo, povoado, como no nosso, por homens, mas também por elfos, anões, feiticeiros, monstros e espíritos perversos, um deles com o poder para “todos governar … para encontrá-los … para todos trazer e na escuridão aprisioná-los.” O maior conto de fadas de todos os tempos narra o combate da coalizão de forças que quer conquistar contra a que quer destruir a fonte desse poder, um anel que o Destino pôs nas mãos de um Hobbit e seus companheiros, criaturinhas pastoris de pés peludos e aspecto de criança.
Com mais de 1.300 páginas e meio milhão de palavras, a sua locução toma por volta de 50 horas, metade da Bíblia e mais do que a Ilíada, a Odisseia e a Eneida juntas. Em 2003 a BBC lançou uma enquete entre leitores de língua inglesa para que escolhessem o maior livro do século XX. Por uma larga margem o Senhor dos Anéis venceu. Três vezes a enquete foi ampliada: para um público mundial, no cyberespaço via Amazon.com e mesmo para o maior livro do milênio. O mesmo campeão venceu todas as vezes. Brian Atterbery, especialista em literatura fantástica, perguntou-se como defini-la e respondeu: “é uma série de textos que se parece mais ou menos com O Senhor dos Anéis”. Mas a crítica se divide. Para Edmund Wilson e tantos outros é “lixo juvenil”, e mesmo um colega de Tolkien em seu clube literário de Oxford teria exclamado durante a leitura dos manuscritos “Porra, mais um elfo!” Mas para outro colega, C.S. Lewis, ele mesmo um grande fantasista, “se Ariosto rivalizasse (o que de fato não faz) ainda lhe faltaria a sua seriedade heroica.” O poeta Wystan Hugh Auden admirava o seu domínio do material épico e declarou que em certo sentido Tolkien “foi bem-sucedido onde Milton falhou”.
Embora intencione francamente entreter, o romance, segundo Tolkien, expressa preocupações metafísicas atemporais, como “a Queda e a Mortalidade”, mas também singularmente contemporâneas, como a “Máquina”. Mesmo desconfiado das alegorias, ele sugeriu que se a sua história fosse uma, seria do Poder. Mas talvez o mais surpreendente de tudo, mesmo para boa parte de seus fãs acostumados a vibrar com heróis inspirados nas sagas pagãs germânicas, é a declaração de Tolkien de que a obra é “por óbvio … fundamentalmente religiosa e católica”. O que se esconde por trás dessas afirmações? Como explicar o sucesso do livro?
Convidados
Cristina Casagrande: mestre em Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo com a dissertação “A Amizade em O Senhor dos Anéis”.
Diego Klautau: doutor em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo com a tese “Paidéia Mitopoética: A educação em Tolkien”
Reinaldo José Lopes: doutor em Estudos Linguísticos e Literários em inglês pela Universidade de São Paulo e tradutor de A Queda de Gondolin, Silmarilione O Hobbit.
Fontes em O Grande Teatro do Mundo
Referências
- Em boa companhia: a amizade em ‘O Senhor dos Anéis’, dissertação de mestrado de Cristina Casagrande.
- Tolkien. Uma biografia de Humphrey Carpenter.
- J.R.R. Tolkien e a crítica à modernidade de Paulo Cristelli
- Perguntas e respostas sobre o universo de Tolkien de Andrew Murray.
- J.R.R. Tolkien, o Senhor da Fantasia de M. White e B. Dorigatti.
- O Mundo do Senhor dos Anéis. Vida e Obra de J.R.R. Tolkien de Ives Gandra Martins Filho.
- O Senhor dos Anéis e Tolkien. O poder mágico da palavra de Rosa Sílvia López.
- O Senhor do Senhor dos Anéis. O mundo de Tolkien de Lin Carter.
- O Mundo de Tolkien de D.E. Day.
- O Senhor dos Anéis e o Cânone Ocidental: J.R.R. Tolkien e a Tradição Clássica de Leandro Vieira.
- A Tolkien Compass editado por Jared Lobdell.
- Hobbits, Elves and Wizards. Exploring the Wonders and Worlds of J.R.R. Tolkien’s ‘The Lord of the Rings’ de Michael N. Stanton.
- The Ring and the Cross. Christianity and the Writings of J.R.R. Tolkieneditado de Paeul. E. Kerry.
- The J.R.R. Tolkien Companion and Guide de C. Scull e W.G. Hammond.
- J.R.R. Tolkien’s ‘The Lord of the Rings’ da série Bloom’s Modern Critical Interpretations editado por Harold Bloom.
- J.R.R. Tolkien Encyclopedia editado de Michaek D.C. Drout.
- A Companion to J.R.R. Tolkien editado de Stuart D. Lee.
- Critical Companion to J.R.R. Tolkien. A Literary Reference to His Life and Work de Jay Ruud.
- The Complete Guide to Middle-Earth: from “The Hobbit” through “The lord of the Rings” and Beyond de Robert Foster.
- The Complete Tolkien Companion de J.E.A. Tyler.
- The Philosophy of Tolkien de Peter J. Kreeft.
- The Real Middle-Earth. Exploring the Magic and Mistery of the Middle Ages, J.R.R. Tolkien and ‘The Lord of the Rings’ de Brian Bates.
- ‘The Lord of the Rings’ and Philosophy editado por G. Bassham e E. Bronson.
- Tolkien and ‘The Lord of the Rings’. A Guide to Middle-Earth de Colin Duriez.
- Truth and Wisdom in J.R.R. Tolkien’s ‘The Lord of the Rings’ de Joseph E. O’Day.
- Understanding ‘The Lord of the Rings’: the Best of Tolkien Criticism editado por Neil Isaacs e Rose Zimbardo.
- Frodo’s Journey: Discover the Hidden Meaning of ‘The Lord of the Rings’ de Joseph Pearce.
- A History of ‘The Lord of the Rings’, 4 vols., editado por Christopher Tolkien.
- The fiction of J.R.R. Tolkien. The Master of Middle-Earth de Paul H. Kocher.
- J.R.R. Tolkien. Author of Century de Tom Shippey.
- Defending Middle-Earth. Tolkien Myth and Modernity de Patrick Curry.
- The Flame Imperishable, Tolkien, St. Thomas and the metaphysics of Faerie de Johnathan McIntosh.
- Tree of Tales. Tolkien, Literature and Theology editado por T. Hart e I. Khovacs.
Apresentação: Marcelo Consentino
Produção técnica: Afrânio Cruz
Ilustração: iluminura de Jian Guo para o Senhor dos Anéis, 2004.
23 de julho de 2018