O Teatro do Absurdo

“A vida é uma mera sombra errante, um pobre ator que desfila e desfalece em sua hora no palco e depois já não é mais ouvido: é um conto contado por um idiota, cheio de som e fúria, que não significa nada”. Nos anos 50, após Auschwitz e Hiroshima, esse célebre lamento de Macbeth parecia mais preciso do que nunca. Enquanto o Globo era dividido por uma cortina de ferro, um dramaturgo confessava:

Jamais consegui me acostumar completamente à existência, nem à do mundo, nem à dos outros, nem, acima de tudo, à minha própria. Às vezes sinto que as formas são repentinamente esvaziadas de seu conteúdo, a realidade é irreal, palavras são ruídos despojados de qualquer sentido. . . . E não obstante, aqui estou, cercado pela aura da criação, incapaz de agarrar a fumaça, entendendo nada, desorientado, arrancado de não sei quê que me faz sentir que não tenho nada.

Ao materializar o seu drama íntimo no palco, Eugène Ionesco, assim como Samuel Beckett, Arthur Adamov, Harold Pinter e outros de sua geração, criaram peças incendiárias para a cena teatral. Um jornalista reagiu assim:

Se uma peça bem feita deve ter uma estória construída, essas não têm estória nem enredo; se uma peça bem feita é avaliada pela sutileza da caracterização, essas frequentemente não têm personagens reconhecíveis e oferecem à plateia quase marionetes mecânicas; se uma peça bem feita deve ter um tema explicável, exposto com nitidez e ao fim solucionado, essas não costumam ter começo nem fim; se uma peça bem feita ergue um espelho ante a natureza retratando as maneiras e maneirismos da época em cenas articuladas, essas com frequência parecem ser reflexos de sonhos e pesadelos; se uma peça bem feita se baseia em réplicas espirituosas e diálogos aguçados, essas muitas vezes consistem em balbucios incoerentes.

Longe de desmoralizá-las como peças “mal feitas”, contudo, Martin Esslin pretendia despertar o público para uma poderosa linguagem poética, a mais capaz de exprimir os dramas de seu tempo e, por isso mesmo, de transcendê-lo. O termo que cunhou – “Teatro do Absurdo” – exerceria desde então um magnetismo irresistível em nosso imaginário cultural. E embora esses autores jamais tenham formado fila sob um manifesto ou programa comum, acabariam estereotipados como expoentes máximos do vanguardismo. Ironicamente, não há traço em suas obras do desprezo à tradição característico das contraculturas. Ao contrário: segundo Ionesco,

O que as pessoas chamam vanguarda só interessa na medida em que marca um retorno às fontes, somente se se integra a uma tradição viva, atravessando um tradicionalismo esclerosado e um academicismo desgastado. . . . O trabalho de todo autêntico criador consiste em se livrar dos detritos, dos clichés de uma linguagem degradada, a fim de encontrar uma linguagem recém nascida, simplificada, essensializada, capaz de exprimir realidades novas e velhas, presentes e passadas, vivas e permanentes, particulares e, ao mesmo tempo, universais. As obras de arte mais jovens e novas são reconhecíveis, e falam a todas as idades. Sim, é o Rei Salomão o meu verdadeiro líder, e Jó – esse contemporâneo de Beckett.

Convidados

Fábio de Souza Andrade: professor de Teoria Literária e Literatura Comparada da Universidade de São Paulo e autor de Samuel Beckett: o silêncio possível.

Luiz Fernando Ramos: professor de Crítica, História e Teoria do Teatro na Universidade de São Paulo e autor de O Parto de Godot e Outras Enceneções Imaginárias.

Viviane da Costa Pereira: doutora em literatura francesa pela Universidade de São Paulo com a tese Ionesco crítico.

Fontes em O Grande Teatro do Mundo
Referências
  • O Teatro do Absurdo (The Theatre of the Absurd) de Martin Esslin.
  • The Grove Companion to Samuel Beckett editado por Ackerley, C. J. e S. E. Gontarski.
  • Reassessing the Theatre of the Absurd: Camus, Beckett, Ionesco, Genet, and Pinter de Michael Y. Bennett.
  • Le théâtre contemporain, culture et contre-culture de Jean Duvignaud e Jean Lagoutte.
  • The Empty Space: A Book About the Theatre: Deadly, Holy, Rough, Immediate de Peter Brook.
  • Beckett’s Dantes: Intertextuality in the Fiction and Criticism de Daniela Caselli.
  • Le théâtre de dérision : Beckett, Ionesco, Adamov de Emmanuel Jacquart.
  • Samuel Beckett: The Last Modernist de Anthony Cronin.
  • World Encyclopedia of Contemporary Theatre, editada por P. Nagy e P. Rouyer (Routledge).
  • Eugène Ionesco Revisited de Deborah B. Gaensbauer.
  • Ionesco de Allan Lewis.
  • Beckett/Beckett de Vivian Mercier.
  • Les théâtres de l’absurde de Michel Pruner.
  • Le théâtre dada et surréaliste de Henri Béhar.
  • The Theatre of the Absurd: The West and The East de Jan Culik.
  • Samuel Beckett: The Last Modernist de Anthony e Isaac Cronin.  
  • The Absurd in Literature de Neil Cornwell.
  • Absurde et dérision dans le théâtre est-européen de Maria Delaperriere.
  • The Columbia Encyclopedia of Modern Drama de Gabrielle H. Cody e Evert Sprinchorn. 
  • Around the Absurd: Essays on Modern and Postmodern Drama de Enoch Brater. 
  • The History of World Theater: From the English Restoration to the Present de Margot Berthold e Felicia Hardison Londre.

Apresentação: Marcelo Consentino
Produção técnica: Jukebox 

26 de junho de 2015