‘Os Lusíadas’, de Camões

Em 1578, seis anos após a publicação dos Lusíadas, o jovem rei Dom Sebastião, exortado por Camões, conduziu as forças portuguesas ao massacre numa cruzada no Marrocos. Dois anos depois, pouco antes de morrer, o poeta viu a coroa ser passada às mãos do rei espanhol, onde permaneceu até 1640. “Fui tão afeiçoado à minha pátria”, disse, “que não me contentei de morrer nela, mas com ela.

Quatro séculos antes, nascia Portugal, com o triunfo do primeiro rei, Afonso Henriques, contra os mouros na batalha de Ourique. Após definir suas fronteiras em 1297, ele se tornou o primeiro estado nacional da Europa, consagrando-se com a expulsão dos mouros e dos espanhóis nas batalhas do Salado e Aljubarrota. À época de Camões – do racha entre católicos e protestantes; da ameaça turco-otomana; da redescoberta do mundo antigo; da descoberta do novo; do encontro com o mais velho dos mundos, as civilizações da China e da Índia – Portugal era uma das nações mais ricas e inovadoras. As aventuras oceânicas iniciadas com Henrique o Navegador, expandidas com Vasco da Gama, culminadas com Colombo e consumadas por Magalhães conectaram pela primeira vez todos os povos do planeta e detonaram a maior revolução comercial da história. Em muitos sentidos, Portugal liderava a travessia ao mundo moderno, e não surpreende que o destino reservasse a um luso transfigurá-la em canto, nem que seu herói fosse não um, mas uma legião.

Os Lusíadas é o maior dos épicos nacionais; a saga do Humanismo; a primeira grande epopeia cristã da modernidade, como a Divina Comédia foi do medievo. Mas a de Dante, por fantástica que seja, é fantasia, a de Camões, realidade. Não lendas imemoriais, como em Homero e Virgílio: tão perto esteve o poeta do herói Vasco da Gama, que nasceu no ano em que o navegador morreu. Camões viveu a epopeia que compôs: marinheiro humanista, poeta soldado, com a espada numa mão e a pena na outra cruzou do Atlântico ao Índico; enfrentou muçulmanos na África; fez negócios na Ásia; amargou a ingratidão dos portugueses; e voltou pobre. O poeta anteviu a morte do primeiro Império global da História – na tragédia de Inês de Castro, nas premonições do velho do Restelo ante a voragem por ouro, glória e poder. Mas através dos Lusíadas, os reis que foram “dilatando a Fé”; os “barões assinalados” que por mares nunca navegados passaram além “do que prometia a força humana”; “aqueles que por obras valerosas se vão da lei da Morte libertando”, eles vivem; a mensagem mais preciosa de Portugal vive, renascida de seu naufrágio, como o próprio Camões renasceu entre destroços num rio da Indochina, com seu manuscrito entre os dentes.

Convidados

Hélder Macedo: professor emérito de português do King’s College de Londres.

Rita Marnoto: professora de artes e humanidades da Universidade de Coimbra.

Teresa Cerdeira: professora de literatura da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Referências

  • ‘Os Lusíadas’, de Luis de Camões. Documentário para a séria Grandes Livros, Companhia das Ideias, 2009, em RTP Ensina.
  • Camões e Os Lusíadas de Joaquim Nabuco.
  • Camões e a viagem iniciática de Hélder Macedo.
  • Camões. Angústia e Tragédia de Reinhold Schneider.
  • Vida e Obra de Luis de Camões de Wilhelm Storck.
  • Estudos camonianos de Cleonice Berardinelli.
  • Dicionário de Literatura Portuguesa, organizado por Jacinto do Prado Coelho, Ed. Figueirinhas.
  • The Cambridge Companion: the Epic. Org. Catherine Bates.
  • Luís de Camões de António José Saraiva.
  • Ensaio Biographico-Critico sobre os Melhores Poetas Portuguezes, Tomo III, Livro IV, Capítulo III: “Luiz de Camões” de José Maria da Costa e Silva.
  • A estrutura de Os Lusíadas e outros estudos camonianos e de poesia peninsular do século XVI de Jorge de Sena.
  • História da Literatura Portuguesa, vol. II: Humanismo e Renascimento, (capítulo V), de José Augusto Cardoso Bernardes.
  • O rosto de Camões de Aníbal Almeida
  • “Introducción a Camões”, de Macedo, Helder, em Camões. Los Lusíadas, Poesias, Prosas, Elena Losada Soller
  • Introdução à poesia de Luís de Camões de Maria Vitalina Leal de Matos.
  • Camoniana varia de Pereira, Maria Helena da Rocha Pereira.
  • Camões no seu tempo e no nosso de Américo da Costa Ramalho.

Apresentação: Marcelo Consentino

Produção: Compasso Coolab.

Ilustração: O Padrão dos Descobrimentos. Lisboa (Portugal Premium Tours)